segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Conto 2 - Desejo...


Eu, filho de um estupro de uma noite madrugada, perdi minha mãe no parto. Sendo mãe um aborto de seu filho, nunca fui bem aceito por minha meia família.
Doado para orfanato e renegado novamente pelas crianças que ali ficavam, por ter uma certa deficiência no rosto, talvez herdada de meu querido pai insano do qual não conheci, não me tornei lá muito sociável. O tempo passou, só para min, as vezes lento e as vezes rápido. Na falta do que fazer, sentava na escada do pátio e observava as crianças brincarem, sorridentes, alegres, com seus belos rostos órfãos porem felizes. Ali ficava imaginando, se todos fossem como eu?
Com o tempo, sem ser muito vigiado pelos tutores da casa, tornei-me um grande admirador do esdrúxulo. Observava algumas deficiências minúsculas e as exacerbava em minha mente ate que ficassem maravilhosas e inovadoras. Certa feita sonhei ter criado uma doença para humanos. Sentiriam fome, mas fome de sua própria carne. Renegariam tudo e um desejo animalesco o fariam devorar seus próprios dedos e partes. E enquanto mastigavam sua carne, em dores e desespero, sentiriam dor na alma. Uma tristeza por terem plena consciência da depravação e auto destruição que estariam fazendo. E chorariam, chorariam, chorariam, mas nunca parariam de comer, ate que caíssem no chão, desfalecidos.
Aos dezoito, este sonho era dominador.
Preparei-me o observei meu primeiro objeto de experiência. Uma mocinha também órfã. Era bela, ruiva de olhos castanhos e de baixa estatura. Seu corpo era perfeito, porem em seus lábios existia uma pequena, não, minúscula cicatriz quase invisível que despertara um amor desconhecido dentro de min.
A vigiei durantes noites a fio. Não podia despertá-la em seu quarto, pois com ela tinham mais três. Esperava que saísse na madrugada para ir ao banheiro. Era uma reza. Ficava na sombra do corredor, não tinham falta de min em meu quarto então todo o trabalho já estava quase feito. Só me faltava a vitima.
Não inventara minha doença, mas poderia eu, ser a doença devoradora.
A noite chegara. Não havia lua no céu e não chovia. A moça, como era previsto, saiu a ir ao banheiro com sua camisola branca uniformizada. Esgueirei-me pelas sombras do comprido corredor sincronizando cada passo com a euforia de meu coração e os passos da bela deficiente. Palpitava meus poros vendo aquela sombra noturna a desfilar tranqüilamente ate a porta do toillet. Entrara. De fora, ouvindo como ladrão de jóias a minha doce donzela, ficava colado na porta esperando a hora exata de sua saída. Em minha mente passava as imagens do futuro de nós dois. Depois de adormecê-la, iria destacar sua pequena cicatriz, depois faria algumas poucas em seu rosto, puxando meu pequeno estilete, de seus olhos ate seu afilado nariz. Meus olhos reviram-se como num orgasmo súbito, delirando ali com o desejo de mastigar suavemente seus pequenos dedos, dilacerando delicadamente sua pele com meus dentes. Parado ali, frente à porta do banheiro, viajando em minhas situações futuras, inconscientemente, comecei a lamber-me como um felino. Transferira o ilusão para o real. Não podia mais esperar sua saída. Demorava de mais. Arrombarei? Não! Poderiam escutar-me. Porem não podia esperar outro dia. Lambia-me cada vez mais. Delirando como amante da dor. Saia. Saia. Saia. Que diabos de demora. Sentia a gostosura de meus braços em minha língua. Passava a mão em meu rosto deformado e lambia os dedos para tirar o máximo de minha própria deformidade. A min. A min. A min. A min. Escorregava pela parede ate o chão sentido como cão faminto seu bife. Não! Não posso! Cravo-me descontroladamente meus caninos no antebraço. Ah que dor horripilante. Mordia-me cada vez mais, ali no escuro do corredor. Em poucos segundo de prazer uma poça de sangue me cercava com seu escarlate. Com um pouco de trabalho arranco-me o mindinho. Ah que dor. Prazer sexual de canibalismo pessoal. Mordo-me mais e mais. As dentadas enfraquecem a cada instante. Não. Não. Não. Não. Não terminei. Deitado no chão envolto a sombra da noite, esforço-me para morder mais, mas não consigo. Desesperado começo a chorar por não conseguir mais meu próprio ser. Insisto. Insisto. Insisto. Lagrimas de desesperado misturam-se no chão com sangue coagulado. Dilatando minha pupila fica, cada vez mais como animal faminto.
Entrego-me.
Vou vendo a escuridão escurecer. Com os olhos baixos e boca ensangüentada, fico observando meu grande amor, meu desejo maior, minha esperança de vida, terminar sua reza noturna e ir andando pelo corredor para seu leito. Sem sentir minha presença, sem notar que existi, vai ela, indo sonhar novamente.

Um comentário:

Insanidade Anônima disse...

O Quanto mais você se aproxima da luz maior a sombra te envolve

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