quinta-feira, 22 de junho de 2017

Solipsista...


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Passou a mão no rosto num gesto exausto. O dia no escritório tinha sido cansativo e sua alma pedia descanso. Não entendia como tudo havia chegado aquele ponto. Suas entranhas sussurravam liberdade. Deu um gole no café que já estava frio e pensou porque aquele líquido gelado ainda estava lá, devia desaparecer. Puff. Sumiu. Levou um susto quase caindo da cadeira. Seu desejo havia sido atendido. Se recompôs ainda sem acreditar muito e testou. Lá se vai a caneta na sua frente. Não acreditou no que viu, tudo que desejava que desaparecesse, sumia. Estava só, dava pra brincar. Em cinco minutos não haviam mesas nem cadeiras, computadores ou copos. Tudo havia ido graças ao poder de seu pensamento. Um escritório vazio. Sua mente se encheu de euforia, ele tinha o poder. Aumentou então seus testes. Em alguns segundos estava em um lote vazio apenas com o piso em cerâmica, olhando para a rua como se nunca nada estivesse construído ali. Pulou jogando os braços para o alto. Seu sorriso era descontrolado. Queria testar mais, mas pra isso precisava de silencio, então... Apenas o som da sua respiração pairava no universo. Puxou o ar com prazer, seu coração se enchia de tranquilidade. Estralou os dedos, preparou os pulsos, contorceu o pescoço e se perguntou qual a necessidade daquela cidade. Puff. Um deserto total o cercava, nada até a linha do horizonte o incomodava. Não havia som, pessoas, prédios e casas. Tudo estava em qualquer lugar menos ali. Ele correu feliz pelo vazio, comemorando seu grande feito. Se jogou no chão cansado e satisfeito. Estava bem, estava em paz. Porém pensou, se já tinha chegado ate ali, porque não ver o que seria possível fazer? Levantou, e pensou nas bilhões de galáxias e estrelas e se perguntou qual o sentido de um planeta tão pequeno e indefeso como o nosso. Pronto, lá estava ele pairando no infinito sem fim do universo. Nada ao seu redor alem de brilhos de estrelas e a escuridão do espaço. Não pôde segurar a gargalhada. Era um deus e tudo estava em suas mãos. Ainda sim não estava satisfeito. Chegou onde ninguém na eternidade havia chegado e não pararia por ali. Girou os olhos nos brilhos longínquos das estrelas, no astro rei Sol e nos planetas anos luz a frente e os aniquilou da existência. Vácuo. Escuridão. Do contrário do que esperava, a solidão não lhe trouxe a empolgação inicial. O breu o incomodou e desejou que desaparecesse. Assim se fez. Puff. Piscou e se viu numa sala branca com algumas centenas de pessoas no vazio a vagar sem rumo. Interpelou um dos transeuntes;
- Onde estou?
- Seja bem vindo ao Abandono – respondeu o cidadão já partindo – somos como você, destruímos um universo inteiro na esperança de felicidade e o que nos restou foi a solidão.

terça-feira, 20 de junho de 2017

EU MORRI AOS 27



    Ainda posso sentir o sangue quente saindo da minha boca e escorrendo pelo chão. Não sei direito o que me atingiu, mas estou morrendo em plena luz do dia caído no asfalto. Eu sempre soube que iria morrer aos vinte e sete.
    O Tempo é algo cruel. Em um ano as coisas podem acontecer de uma maneira inimaginável. Nunca entendi direito as festas de aniversário, comemorar a data que te leva cada vez mais pra perto da morte me causa achaque. Ou talvez seja porque sobrevivemos mais um ano sem dar adeus a esse mundo tão estranho.
    Provavelmente tenho pouco tempo para dizer algo, posso sentir as pessoas ao redor já premeditando meu fim e alguns passos desesperados. Nada incomum.
    Desde muito tempo sempre achei que morreria aos vinte sete. Nada poético, apenas tinha essa convicção estranha. Imaginava que pegaria meu filho no colo, teria uma família, amigos e morreria bem quisto por todos. Um legítimo herói. Sair de cena enquanto ainda estava-se no ápice de meu esplendor. Acreditando fielmente nessa realidade reconfigurei minhas ideias e ideais para que nada ficasse para trás. Agradecimentos póstumos são sempre tão ridículos, bendizer alguém que nunca mais vai te ouvir não faz muito sentido.
    Especialmente no último ano tenho morrido pouco a pouco e sentido que a Vida tem me ajudado a sofrer tal penitência. Descobri o verdadeiro significado de algumas palavras e emoções. Família e amigos tiveram uma nova aparência diante de minha face e estranhamente pude sentir uma Parcela do que é Amor. Os Acasos. Você que lê esse estranho epitáfio, lhe agradeço. As vidas se vão mas as ideias sempre permanecem. E se há algo que possa deixar para sua avalia é que o Tempo é pai de todos os deuses. As coisas nunca permanecem como são e o mundo gira cada vez mais veloz. As pessoas se transmutam e aqueles que eram, estranhamente se desfazem. 
    De todos os sofrimentos, o mais profundo foi descobrir que infelizmente, não sou deus. Tal descoberta estava no fundo de um copo amargo preso por anos até ser liberto. A crueldade da verdade é assombrosa. Enxerga-se olho no olho e apenas ver uma imagem embaçada de algo desconjunto e sem nexo. Se despir de orgulho, dor, apego, das certezas e convicções que até hoje eram o Ser que lhe fez Ser. Não há morte mais dolorida.

    Para dar adeus a tu que me ouve, lhe peço apenas respeito para com o Tempo e para com aqueles que um dia estiveram no seu mundo, sendo bom ou ruim. Todas as coisas tem sua causa e motivo que nos fazem quem somos. O homem que não respeita sua historia, tende a repeti-la. Segue teu caminho feliz na infelicidade e aproveita teus curtos e inúteis dias enquanto ainda os tem, pois a mim, foram dados apenas vinte e sete anos.

Plumas, penas e prisões

  - ... três meses de prisão preventiva.. O promotor vestia esses lenços pretos no pescoço, uma espécie de babador ao contrario. Faltava-l...