domingo, 30 de junho de 2019

PENA

Imagem relacionada


- Foi pelo sorriso. Aquele do canto da boca de poucos milésimos de segundos. Aquele de culpa e graciosidade, que a gente esconde por medo do pecado. Ela não pediu, mas desejou. Duvidou querendo que fosse verdade. Ela gostava da dor, não dela, do outro. Por isso aquele sorriso foi tão importante. Mistura de demonio e ingenuidade.
- O senhor matou o indivíduo, nunca mais vai vê-la, perdeu sua vida e fez tudo isso por um sorriso?
- Não um sorriso qualquer. Era o dela. Nós dois sabíamos o valor que aquilo tinha. E algumas coisas você só tem uma chance de provar na vida. Eu não pude deixar a oportunidade passar.
- Está dizendo que ela desejou que matasse alguém só pra você provar que faria de tudo por ela?
- Jamais. Desaprovaria como desaprovou. Não se deve violentar ninguém sem consenso. Ela apenas desejou. E isso pra mim sempre foi o suficiente. Sinto muito pelos envolvidos, mas ela tinha as chaves de meus calabouços. Não me arrependo e sei que por alguns milésimos de segundos, ela deu aquele sorriso e que lá no fundo, oculto até de sua própria aceitação, ela lembrou que fiz aquilo apenas para entregar aquele último pedido; minha alma nua e completamente insana. Foi um presente meus caros. A violência racional é um tesouro raro e o meu dei a ela.  E meus amigos, se vocês tivessem sentido aquele sorriso, fariam absurdos ainda maiores.
- Ok. Já chega. O senhor será eletrocutado nesse exato momento por assassinato seguindo as normas de pena de morte de nosso país. Algum último pedido?
- Sim; diga a ela que eu senti.

quinta-feira, 27 de junho de 2019

Amantes



Resultado de imagem para amantes

Invejo os amantes
Os de mãos dadas na praça
Beijos apaixonados
E olhares saudosos

Invejo os amantes
Os de risos trocados
De juras mal ditas
E peito apertado

Invejo os amantes
Os de piadas internas
Mordidas faceiras
E abraços sozinhos

Invejo os amantes
Os de beijo no olho
Beliscos na bunda
E meias trocadas

Invejo-os em tudo
Em suas certezas
Afetos
E sentimentos

Invejo os amantes


quinta-feira, 13 de junho de 2019

CONFESSO

Resultado de imagem para sozinho


- Ela era linda doutor. Seus lábios eram carnudos, olhos profundos e grandes. Cabelos brilhantes como uma noite sem lua e de uma sensualidade deliciosa, se é que o senhor me entende. Nossos dias eram intensos. De manhã ela me acordava com um sorriso e um cafuné. Vez ou outra ouvia seus passos pela casa a procura de algum objeto inútil que ela já não sabia mais onde estava de tanto que era desatenta. Tinha um trejeito com as mãos quando ficava nervosa e seu olho flamejava de felicidade quando algo a fazia feliz. Acredito que seus pés ainda seriam lindos mesmo se todas suas unhas caíssem. Eu amava aquelas bochechas, aquele sorriso, aquele andado forte e compassado. Ela tinha risos, sorrisos e gargalhadas. Cada uma para seu devido fim e momento. Vez ou outra se confundia entre um personagem e outro, mas sempre no equilíbrio de sua própria loucura. Os cabelos da nuca eram aveludados, seios que pareciam gotas de orvalho pra uma boca desértica. Dedos finos, mãos grossas e mente afiada. Passarias horas aqui, com mais de cem motivos pelo meu encanto por ela, e ainda sim não seria possível descrever tudo que ela tem em si. Perfeita como pudim no almoço.
- E porque o senhor a matou?
- Porque eu a amava seu doutor. O amor tem dessas coisas.

terça-feira, 4 de junho de 2019

30

13 - XIII - Morte - Death  - arcano senza nome o filosofia o trasformazione o metamorfosi o cambiamento o falce o thanatos o danza macabra  - tarocchi - black & white tarot #jomanzo #ccccc #youtube #youtubeitalia #tarocchi #zodiaco #tarot #zodiac


Vinte e um do seis de mil novecentos e oitenta e nove. Canceriano, sanguíneo, destro, problemático e um legítimo amante de pudim.
Lembro da última vez que carreguei um carrinho de mão cheio de concreto e pensei que aquele ia ser o último dia que faria aquilo. Lembro de acordar em casa de noite com a chuva pingando do telhado bem na minha testa. Lembro de dormir mal. De acordar mal. De comer mal. Lembro de suar no sol em busca de um sonho. Lembro de sofrer e chorar noites a dentro acreditando que um dia tudo ia mudar. Eu lembro de acreditar.
Me formei sem honras. Tive pouco dinheiro pra comprar roupas e meus tênis sempre tinham furos. O que me faltava de dinheiro pro lanche me sobrava de fome. Eu nunca fui o mais bonito, mais esperto, com as melhores ideias ou aquele que todo mundo nota quando entra. Minha adolescência não foi diferente nem especial, eu só existi. Mas eu quis ser alguém.
Comprei uma casa, um carro, moto, tive um cachorro,  uma família, fiz um filho, escrevi um livro, plantei uma arvore, abri uma empresa, fali uma empresa, abri novamente outras, trabalhei com o que quis, fiz amigos, conheci pessoas e tentei ser feliz. Usei drogas pesadas, mas nenhuma pior que o amor. Acreditei em deus, pedi a ele vitória nas derrotas e sabedoria nos momentos difíceis, mas ele se cansou de minhas dúvidas. Li incansáveis livros de infindáveis assuntos e me viciei. A leitura sempre teve o poder de me transportar pra longe da realidade. Tentei dar cabo da minha vida, dei a volta por cima. Dormi no chão com meu filho, passei fome e frio com ele, e por dias fingi que tudo ia bem enquanto me preocupava com o que dar de comer e beber pra única pessoa que me fazia rir. Eu morri incansáveis vezes todos os dias, mas sempre acreditei que um dia tudo ia mudar. Peguei oito transportes por dia com filho no colo e quatro bolsas no ombro. Chuva, sol, neblina, vento. Fui roubado. Abandonado. Esquecido pela maldita felicidade. Eu sofri, não mais que alguns, mas sofri. E dor é dor não importa quanto dói.
Hoje olho para as fotografias do passado e me pergunto quem ocupava essa carcaça. Um dublê de retratos. Quem estava desesperadamente tentando se provar? Quem foi o tolo que utilizou tanto tempo de sua finita e curta vida com coisas fúteis e desnecessários? Quem foi essa Persona? Quem em sua legítima dignidade, apostaria tão alto em sonhos dos outros?
Escrevo agora, sentado debaixo da samambaia na minha sala. Eu sempre quis uma. Possuo alguns bens, mas nenhum maior que meus livros, quadros, plantas e desenhos. Meus problemas não findaram, eles nunca findam. É uma regra universal. Mas não são mais problemas. São processos. Durante toda a vida eu tentei provar ser alguém para o mundo. Ser a pessoa de sucesso que a gente acredita que vai ser. Não só material, mas completo, pleno. Erros que não cometemos duas vezes.
Hoje mais maduro e consciente, aceito minha infelicidade a cada ano e me aproximo da premissa de Sócrates; “Torna-te quem tu és”. Tarefa árdua e pesada. As riquezas comuns, essas que a gente conquista com trabalho e dinheiro, me importam porque não sou parvo, mas tomaram uma posição diferente.
Tudo que quero é ser como deus, o da bíblia cristã. “Eu Sou”, foi a única vez na história que deus se apresentou na sua mais simples e pura definição. Imagino a cara de Móises ao ouvir sua resposta. Porém entendo muito mais deus. Que outra resposta melhor seria dada se alguém perguntasse quem tu é? Tire seu emprego, bens, família, traumas, cicatrizes, lagrimas, choros, roupas e tudo mais que voce carrega e me responda; o que sobrou? O que há por baixo dessa falsa ilusão de auto conhecimento e orgulho desnecessário? Se despir de nomenclaturas e aceitar-se como é, isso sim é divino. Isso sim é ser Deus.
E se há algum conselho que possa ser dado após essa minha curta e insignificante existência, é esse; Torna-te quem tu és.

Plumas, penas e prisões

  - ... três meses de prisão preventiva.. O promotor vestia esses lenços pretos no pescoço, uma espécie de babador ao contrario. Faltava-l...