segunda-feira, 5 de junho de 2023

Plumas, penas e prisões

 



- ... três meses de prisão preventiva..

O promotor vestia esses lenços pretos no pescoço, uma espécie de babador ao contrario. Faltava-lhe apenas a peruca branca e um blush rosa nas bochechas grandes. Sentava desleixado como se tivesse cansado de ler tantas sentenças em tão pouco tempo e sua leitura era tão tediosa que quase que me ofereci para ajudar em minha acusação. A juíza ao lado, com o cabelereiro em dia e voz doce como de um demônio, falava rápido que eu mal consegui ouvir meus crimes. No canto da sala uma espécie de escrivã de cabelos enrolados e grisalhos, digitava apressada num computador dekstop velho como uma galinha cata milho numa lata de alumínio. Os guardas guardavam a porta como pastores alemães prontos pro ataque e minha singela defensora sentava ao meu lado com seus óculos grandes e redondos, cabelos lisos e longos e um porte peso pena como se não comesse um pão a dias. Já desfrutava do meu quarto par de algemas e por vezes procurei o celular no bolso na esperança de eternizar alguns momentos. Enquanto meu algoz contratado cuspia suas obrigações do cargo, tudo que eu queria era um um copo de café e um gole de cicuta.

Em três dias preso aprendi a bloquear celular roubado, clonar cartão, abrir conta pra empréstimo falso, a escolher uma vítima pra assalto, descobri um esquema no Banco do Brasil e fiquei sabendo de um bar tão bom em Brasília que é proibido roubar ele. O que eu não faria em sete dias? Conheci personagens curiosos que na simpatia daquele quadrado frio, foram ótimos companheiros de cela. Durante todo tempo pensava em quais deles realmente mereciam estar lá e quais poderiam ser absolvidos de seus pecados. Não me julgue, não há muito o que se fazer numa prisão além de fofocar consigo mesmo. No final são todos vítimas e carrascos que não tem a mínima noção do poder da ponta de suas canetas ou de seus canivetes. Matam-se inocentes de ambos os lados e uma selvageria absurda faz com que seres humanos se transformem em máquinas programadas para serem imparciais e frias diante a vida de milhares de pessoas que passam em suas esteiras jurídicas ou nas esquinas escuras de um bairro qualquer. O Governo continua formando criminosos através de um processo que eles mesmo criaram incapazes de julgar vidas humanas. Trituram histórias num eterno abatedouro social no qual o principal objetivo é aniquilar grupos menos favorecidos seja lá qual for seu crime, quando há um.

Não posso te dizer meu suposto crime, mas é impressionante minha capacidade de ser motivo de piada até dentro da cadeia. Não senti medo, de certa forma era como se estivesse na quinta série com meus amigos de classe. Sabia que em breve veria a luz do sol e isso me deu tranquilidade pra aproveitar melhor a estadia naquele luxuoso hotel proporcionado pela polícia civil. Seria impossível em apenas um texto descrever as infinitas vidas que conheci e histórias que ouvi. Assassinos, trabalhadores, ladroes, inocentes, doutores, pagadores de impostos. Celas superlotadas de tragédias sustentadas por um sistema falido a décadas. Mas como já disse o filosofo “Justiça é o interesse do mais forte”. Não importa quantos livros sejam escritos sobre os direitos humanos ou quantas balas caibam dentro de um crânio, os únicos ilesos da força da lei, são aqueles que as escrevem.

Há um mito antigo que diz que após a morte, você é julgado para saber se seu destino vai ser o que eles chamam de paraíso ou se vai ser devorado por um monstro jacaré. Basta que seu coração seja mais leve que uma Pluma e está tudo certo. Enquanto minha altruísta defensora lia rapidamente um curto parágrafo em minha defesa, ficava imaginando Matt com sua balança soltando calmamente seu prumo em uma pequena bandeja e eu tava tipo o Joao Grilo apelando pra tudo que é divindade. Não que eu duvidasse de minha guerreira, mas a coitada claramente precisava de ajuda espiritual naquele momento tanto quanto eu.

Dava pra ver as celas por uma janela que ficavam ao lado da escrivã centenária. Lembrei que a pouco mais de cem anos, o exército brasileiro matou Antônio Conselheiro na Guerra de Canudos. Luta travada numa mata característica da região onde se localizava uma bela flor espinhenta chamada Favela. Uma das promessas do Governo era a distribuição de terras para o exército vitorioso. Claramente isso não aconteceu e os abandonados pelo Estado, antes chamados de salvadores da pátria, ficaram sem lugar pra guardar suas botas encardidas de sangue e tiveram que se alojar numa região conhecida hoje como a primeira favela do Brasil, o atual Morro da Providência.

Sentenciou a juíza. A notícia ruim é que gastei meu réu primário. A boa é que como um bom filho de deus eu passei três dias no inferno, mas voltei pros vinhos e peixes.

Minha opinião particular é que tudo isso é uma máquina de loucos onde ninguém sabe o que está fazendo e distribuem sentenças como um médico louco prescreve receitas. O sistema está falido e a familiaridade carceraria com as escolas públicas é espantosa Mas isso não importa, se estiver achando ruim vai reclamar com o Papa. Entre Plumas, penas e prisões, meu conselho é que você corte o açúcar e vá cuidar do coração, afinal, todo mundo pode ser preso um dia.


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