Começou um pouco depois do verão
de sessenta e sete, assim que as vozes pararam.
Primeiro comecei a deparar-me com
ele nos corredores. Sempre muito simpático e gentil, uma pessoa que alguns
diriam ter uma boa energia. Não me lembro ao certo quando começamos a
conversar, talvez minha mente apagou como faz com traumas muito intensos.
Começamos a estudar juntos e suas ideias me impressionavam cada vez mais. Seus
pensamentos sobre a solução da problemática da fome, a política de mercado do
país ou suas inspirações sobre o amor me deixavam sempre com um ar de que o
mundo precisava conhecer aquelas ideias.
Não sei se por falta de interesse
ou por acaso, sempre que citava as conversas sobre ele com meus outros colegas,
se faziam de desentendidos ou tentavam assimilar de quem estava falando. Uns “o
de blusa azul?” ou “não me lembro de ter visto” sempre eram ditos após eu falar
dos assuntos que ouvira de meu confidente. Coincidentemente, sempre que o
chamava para apresentar aos outros, ele estava ocupado com uma nova ideia ou
uma aula que não podia perder.
Dizia que estava lá fazia tempo
mas sempre que eu comentava sobre ele com os outros, a questão sobre quem era o
protagonista ficava sem resposta. Eu não entendia como alguém que passava horas
e mais horas contando sobre tantas coisas importantes e uteis não era ouvido
como deveria. Como ninguém ainda o conhecia? Foi ai que tudo começou.
Numa tarde questionei sua falta de
vontade de se entrosar com outras pessoas e tive como resposta; “um homem só, é
um homem mais útil”. Confesso que concordei, talvez já pelo excesso de simpatia
ou por me identificar demais com tantas palavras que já havíamos trocado até
ali. Afinal, amigos aceitam. Mas durou poucos dias.
Na tarde de quatorze de janeiro o
interpelei nos corredores e sem avisar para onde ia o deixei cara a cara com
meus amigos; “pronto, agora vocês conhecem o rosto dono das histórias que
sempre digo”. Minha espinha ainda dói quando lembro, podia sentir aqueles
olhares.
Ninguém o via.
Alguns trocaram vistas franzindo a
testa, tentando disfarçar a cena que presenciavam enquanto eu inutilmente
mostrava um fantasma. De pé no centro da atenção da roda, revelando algo que
nunca existiu, senti um frio nas juntas do joelho. Meu amigo confidente era
fruto de minha própria solidão.
Ainda ali sob o os olhares de
julgamento da plateia que eu mesmo criei, catatônico e incrédulo, olhei nos
olhos de minha imaginação meio triste meio congelado:
- Você não existe... – lamentei.
- Você também não – tocou em meus
ombros, virou as costas e partiu.
Ainda o vejo nos corredores. E
confesso doutor, que vez ou outra suas histórias ainda me prendem.
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