Tinha uns dezessete ou dezesseis anos quando cometi meu
primeiro assassinato.
Era dia. Não lembro se antes ou depois do almoço. Meu objetivo
era claro; bater em algumas casas de um bairro pobre de minha cidade e
perguntar “Você é feliz?”. Montado em minha bicicleta de cano preto com uma
tinta vagabunda, eu rodava para cada vez mais dentro daquilo que na época se
assemelhava muito a uma favela. Tinham algumas crianças brincando na rua. Elas corriam
desapercebidas e tranquilas. Eu já havia falado com algumas pessoas. Os perfis
eram simples, casas mal apresentadas ou pessoas com ar de extrema pobreza,
afinal, uma de minhas ideias era que o dinheiro conseguia maquiar bem a
realidade da mente humana, fazendo com quem não tinha muitas condições financeiras
permanecesse em um estado de infelicidade comum. Não existe tempo para
felicidade em meio às contas atrasadas de água, luz e aos berros das crianças
com fome.
Pedalando como uma presa faminta querendo provar minha
teoria tão perspicaz, passei em frente em uma casa sem muros. Os arames
farpados atravessavam troncos fincados no chão meio caídos e quase podres. A casa
tinha um telhado velho e mal colocado. As paredes sem reboco e a calçada era
barro batido, e pela vista rápida, parecia que a casa também não tinha um piso
para cobrir a terra. La vinha uma mulher de cabelos bagunçados e com uma
criança no colo. Um vestido rosa permeava seu corpo torto por segurar aquele
ser de poucos meses nos braços. Sua pele era corada e evidenciava seu trabalho
no sol, talvez lavando roupa ou fazendo qualquer tipo de trabalho braçal. Não arrisco
uma idade. Seu rosto estampava o
personagem perfeito para minha pergunta.
Dei a volta com a bicicleta e me aproximei devagar já perguntando
de longe;
- Tenho um trabalho de escola e posso fazer uma pergunta pra
senhora? É uma entrevista de um questionamento apenas – e esbocei um sorriso
brilhante.
Ela me olhou melhor e depois de ver que um saco de osso era inofensivo,
encostou no tronco que provavelmente era a entrada da casa e respondeu
inocente;
- Tudo bem. – ajeitou o cabelo e deu uma recolocada no bebê,
afinal não é todo dia que alguém ia lhe entrevistar.
Peguei meu celular velho do bolso, liguei a câmera, apontei
e dei meu tiro cruel.
- VOCÊ É FELIZ?
Recordo-me bem dessa cena. A pergunta a tinha acertado como
uma paulada na cabeça. Ela me olhava em silencio e com os olhos meio duvidosos.
Havia entendido a pergunta, não estava confusa. A palavra FELIZ ativou um
gatilho em sua mente que a deixou pasma no universo. Eu observava aquele ser,
com uma casa completamente destruída como cenário e uma criança que
evidentemente não se alimentava direito. Meu celular ainda estava filmando,
meus olhos focados aguardando sua resposta. Ela abaixou a cabeça meio sem
graça, arrumou a criança de novo jogando-a um pouco mais pra cima de sua
cintura e olhou para esquina. Seu semblante anunciava a decepção. Um mundo
tinha se revelado e a realidade agora era escura e triste naquela face.
Não me recordo de sua resposta, nem do que falei depois. Se agradeci
ou se desisti do retorno. Porem sinto uma angustia terrível, pois sei que a
realidade que aquela mulher negou a vida toda, veio como um tiro na testa
travestido de pergunta. Definhou na minha frente devagar. Eu fui algoz de sua
alma. Estraçalhei os miolos daquele humilde ser. Seu coração sangrou
arrependido de ter dado espaço para tamanha crueldade que cometi.
Parei de atirar, a possibilidade de vitimas fáceis me
circunda. E a mulher, deve estar definhando e apodrecendo até hoje.
Nenhum comentário:
Postar um comentário