Vinte e um do seis de mil
novecentos e oitenta e nove. Canceriano, sanguíneo, destro, problemático e um
legítimo amante de pudim.
Lembro da última vez que
carreguei um carrinho de mão cheio de concreto e pensei que aquele ia ser o último
dia que faria aquilo. Lembro de acordar em casa de noite com a chuva pingando
do telhado bem na minha testa. Lembro de dormir mal. De acordar mal. De comer
mal. Lembro de suar no sol em busca de um sonho. Lembro de sofrer e chorar
noites a dentro acreditando que um dia tudo ia mudar. Eu lembro de acreditar.
Me formei sem honras. Tive pouco
dinheiro pra comprar roupas e meus tênis sempre tinham furos. O que me faltava
de dinheiro pro lanche me sobrava de fome. Eu nunca fui o mais bonito, mais
esperto, com as melhores ideias ou aquele que todo mundo nota quando entra.
Minha adolescência não foi diferente nem especial, eu só existi. Mas eu quis
ser alguém.
Comprei uma casa, um carro,
moto, tive um cachorro, uma família, fiz
um filho, escrevi um livro, plantei uma arvore, abri uma empresa, fali uma
empresa, abri novamente outras, trabalhei com o que quis, fiz amigos, conheci pessoas
e tentei ser feliz. Usei drogas pesadas, mas nenhuma pior que o amor. Acreditei
em deus, pedi a ele vitória nas derrotas e sabedoria nos momentos difíceis, mas
ele se cansou de minhas dúvidas. Li incansáveis livros de infindáveis assuntos
e me viciei. A leitura sempre teve o poder de me transportar pra longe da
realidade. Tentei dar cabo da minha vida, dei a volta por cima. Dormi no chão
com meu filho, passei fome e frio com ele, e por dias fingi que tudo ia bem
enquanto me preocupava com o que dar de comer e beber pra única pessoa que me
fazia rir. Eu morri incansáveis vezes todos os dias, mas sempre acreditei que
um dia tudo ia mudar. Peguei oito transportes por dia com filho no colo e
quatro bolsas no ombro. Chuva, sol, neblina, vento. Fui roubado. Abandonado.
Esquecido pela maldita felicidade. Eu sofri, não mais que alguns, mas sofri. E
dor é dor não importa quanto dói.
Hoje olho para as fotografias do
passado e me pergunto quem ocupava essa carcaça. Um dublê de retratos. Quem estava desesperadamente tentando
se provar? Quem foi o tolo que utilizou tanto tempo de sua finita e curta vida
com coisas fúteis e desnecessários? Quem foi essa Persona? Quem em sua legítima
dignidade, apostaria tão alto em sonhos dos outros?
Escrevo agora, sentado debaixo
da samambaia na minha sala. Eu sempre quis uma. Possuo alguns bens, mas nenhum
maior que meus livros, quadros, plantas e desenhos. Meus problemas não
findaram, eles nunca findam. É uma regra universal. Mas não são mais problemas.
São processos. Durante toda a vida eu tentei provar ser alguém para o mundo.
Ser a pessoa de sucesso que a gente acredita que vai ser. Não só material, mas
completo, pleno. Erros que não cometemos duas vezes.
Hoje mais maduro e consciente,
aceito minha infelicidade a cada ano e me aproximo da premissa de Sócrates;
“Torna-te quem tu és”. Tarefa árdua e pesada. As riquezas comuns, essas que a
gente conquista com trabalho e dinheiro, me importam porque não sou parvo, mas
tomaram uma posição diferente.
Tudo que quero é ser como deus,
o da bíblia cristã. “Eu Sou”, foi a única vez na história que deus se
apresentou na sua mais simples e pura definição. Imagino a cara de Móises ao
ouvir sua resposta. Porém entendo muito mais deus. Que outra resposta melhor
seria dada se alguém perguntasse quem tu é? Tire seu emprego, bens, família,
traumas, cicatrizes, lagrimas, choros, roupas e tudo mais que voce carrega e me
responda; o que sobrou? O que há por baixo dessa falsa ilusão de auto
conhecimento e orgulho desnecessário? Se despir de nomenclaturas e aceitar-se
como é, isso sim é divino. Isso sim é ser Deus.
E se há algum conselho que possa
ser dado após essa minha curta e insignificante existência, é esse; Torna-te
quem tu és.
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