Manifestações de 2013, março. Impeachment, corrupção e crises
financeiras. Conheci ela gritando no meio da multidão com um cartaz
branco, “TA TUDO ERRADO” escrito com batom preto. Como se a grana
só tivesse dado pro papel e o batom já era um item cotidiano.
Típica hippie de dreadlock castanho e uma franja pintada de
vermelho. Uma mendiga com quem você se casaria fácil. Amigos que eram
amigos de amigos de um amigo meu, que foi comigo – porque em
Brasília é assim – nos apresentaram, e em todas as “reuniões
de cúpula rebelde”, como ela mesmo dizia com uma voz de agente da
KGB infiltrada, a gente se topava.
No primeiro dia nos beijamos. Ela me beijou na verdade, eu não
imaginaria que tinha alguma chance. Foi anárquico. Tinha cheiro de
ervas e uma boca macia. Linda. E livre.
Nos dias que os atos eram movimentados, desaparecia em meio ao caos e
surgia depois, descabelada com o olhar em fúria após ter corrido
da policia, “GOVERNO FILHO DA PUTA!” gritava com o dedo do meio
em haste pro Congresso e me beijava, “é bom ter uma boca pra
beijar na multidão” e saía com um sorriso libertário. Ela era do
amor livre, da vida livre e revolução era sua paixão. Uma boca
afiada e uma mente politica temperada com a malicia das periferias da
capital do país. Combinação perfeita pra uma rebelde. Era
revolução, mas também era por diversão. Tudo é por diversão.
Junho de 2013, mais de dez mil pessoas plantadas em frente ao
Congresso Nacional com policiais em corrente diante dos espelhos
d'água. Eu me defendia do spray de pimenta e canhões de luz que me
cegavam as vistas, quando ela me puxou pelo braço,”Vem! RÁPIDO!”.
Subimos a grama indo para lateral rumo a Cúpula do Povo. Ela odiava
aquilo, dizia que “a do Estado também é nossa, isso devia ser uma
bolha, não duas cúpulas”. Era impossível passar, a gente se
espremia, um coagulo de pessoas que de repente estourou. Eu vi de
longe os primeiros a subirem na cobertura, era real. Uma guerra, e o
castelo havia sido tomado. Nós vencemos. A luta era outra, sempre é,
mas aquela era nossa vez. Ela me olhou num susto com as pupilas
marejadas de emoção e entusiasmo, e correu. Subi e via as sombras gigantes
refletidas nas paredes curvas daquela bacia branca, as bocas não
paravam de gritar e o chão tremia com o peso de mais de dez mil
ideias que estavam cansadas de pedir aquilo que já era delas por
direito. Então ela apareceu e me beijou, “é bom ter uma boca pra
beijar na multidão”. E sumiu.
Congresso Nacional tomado, garganta rouca, dez mil pessoas e um beijo
de amor livre. É assim que se faz uma revolução.
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