Madrugada. A luz da geladeira ilumina a cozinha. Lá dentro,
garrafas de água quase vazias e algumas frutas e vasilhas com algum resto de
comida de uma semana atrás. Maturidade é conseguir encher as garras ao invés de
guardar vazias sem utilidade nenhuma.
Pego o leite e tomo direto na garrafa. Não entendo porque
algumas pessoas ainda não tomam leite puro. É melhor e ainda ajuda a tirar
aquele gosto ruim de qualquer coisa da boca. Leite é vida. A água ajuda um
pouco também.
Sento na bancada do lado da fruteira com bananas pretas e
aparentemente podres. Aparentemente. As bananas sempre enganam. Aprendizado
importante pra quem mora só. Do contrário das maçãs, que na maioria das vezes
fazem a gente parecer que está mordendo poliestireno. Isopor. Tipo esponja de
aço que a gente chama de Bombril.
Tento entender que horas são mas o escuro não deixa eu ver o
relógio da parede com precisão. Odeio aquele tique taque ensurdecedor que os
ponteiros fazem quando não estão acompanhados por algum som comum do dia a dia.
Mas aquele era presente, tinha que ficar lá, fazendo zoada pela casa toda. De toda
maneira não importa, é madrugada. As horas não são menos relevantes. Só quando passa
de quatro horas, que é quando o sono é mais gostoso e você sabe que tem pouco
tempo pra se fingir de morto em cima da cama.
Melhor ir dormir. Fecho a geladeira.
Nas sombras de cantos sempre tem algum vulto satânico esperando
minha alma pura vacilar pra me carregar pro inferno. Maldito instinto de sobrevivência,
o medo nos preserva mas nos limita. Aos poucos meus olhos se aclimam com a escuridão
e consigo discernir melhor os demônios.
Meu peito dói. Dói mais um pouco. Paro e me apoio na porta.
A dor vem mais forte. Finco os dedos apertando o peito inutilmente.
Vejo a garrafa de leite na bancada enquanto vou de encontro
ao chão.
- Eu devia ter enchido as garrafas de água.
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