Ainda posso sentir o sangue quente saindo da minha boca e
escorrendo pelo chão. Não sei direito o que me atingiu, mas estou morrendo em
plena luz do dia caído no asfalto. Eu sempre soube que iria morrer aos vinte e
sete.
O Tempo é algo cruel. Em um ano as coisas podem acontecer de
uma maneira inimaginável. Nunca entendi direito as festas de aniversário,
comemorar a data que te leva cada vez mais pra perto da morte me causa achaque.
Ou talvez seja porque sobrevivemos mais um ano sem dar adeus a esse mundo tão estranho.
Provavelmente tenho pouco tempo para dizer algo, posso
sentir as pessoas ao redor já premeditando meu fim e alguns passos
desesperados. Nada incomum.
Desde muito tempo sempre achei que morreria aos vinte sete. Nada
poético, apenas tinha essa convicção estranha. Imaginava que pegaria meu filho
no colo, teria uma família, amigos e morreria bem quisto por todos. Um legítimo
herói. Sair de cena enquanto ainda estava-se no ápice de meu esplendor. Acreditando
fielmente nessa realidade reconfigurei minhas ideias e ideais para que nada
ficasse para trás. Agradecimentos póstumos são sempre tão ridículos, bendizer alguém
que nunca mais vai te ouvir não faz muito sentido.
Especialmente no último ano tenho morrido pouco a pouco e
sentido que a Vida tem me ajudado a sofrer tal penitência. Descobri o
verdadeiro significado de algumas palavras e emoções. Família e amigos tiveram
uma nova aparência diante de minha face e estranhamente pude sentir uma Parcela
do que é Amor. Os Acasos. Você que lê esse estranho epitáfio, lhe agradeço. As vidas
se vão mas as ideias sempre permanecem. E se há algo que possa deixar para sua
avalia é que o Tempo é pai de todos os deuses. As coisas nunca permanecem como são
e o mundo gira cada vez mais veloz. As pessoas se transmutam e aqueles que
eram, estranhamente se desfazem.
De todos os sofrimentos, o mais profundo foi descobrir que
infelizmente, não sou deus. Tal descoberta estava no fundo de um copo amargo
preso por anos até ser liberto. A crueldade da verdade é assombrosa. Enxerga-se
olho no olho e apenas ver uma imagem embaçada de algo desconjunto e sem nexo. Se
despir de orgulho, dor, apego, das certezas e convicções que até hoje eram o
Ser que lhe fez Ser. Não há morte mais dolorida.
Para dar adeus a tu que me ouve, lhe peço apenas respeito
para com o Tempo e para com aqueles que um dia estiveram no seu mundo, sendo
bom ou ruim. Todas as coisas tem sua causa e motivo que nos fazem quem somos. O
homem que não respeita sua historia, tende a repeti-la. Segue teu caminho feliz
na infelicidade e aproveita teus curtos e inúteis dias enquanto ainda os tem,
pois a mim, foram dados apenas vinte e sete anos.
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