“Cego?!”. Não acreditei no que
via. “O senhor pode acompanhar este homem ate a rodoviária?” perguntou o guarda
que me encontrou depois de dar uma curta volta à procura de samaritanos para a
boa ação. Evidente que não hesitei em ajudar, afinal, eu o conhecia.
Infelizmente esse não é um texto que vou me
preocupar em ser exato ou poético. Franco ou intimista. Não perca seu valioso
tempo lendo as linhas abaixo caso tenha plumas para amaciar.
Nos passos que se seguiram ate o
ponto final da nossa caminhada, conversamos e revelei o conhecer de nossa
cidade. Falei que lembrava dele nas quadras das quais jogávamos e dos pontos conhecidos
da cidade. Nunca em quase dez anos havia me direcionado a palavra a ele nas
tardes de jogos. Estava lá, sempre presente, sabia seu nome e onde morava. Às vezes
no mesmo time, e às vezes rivais. Mas colegas de quadra são colegas de quadra.
Uma cegueira progressiva o
acompanhava já fazia um pouco mais de um ano, “vejo tudo branco meu amigo”, me
disse meio triste algumas vezes. Não foram lasers nem cirurgias que conseguiram
trazer de volta as imagens de mais de trinta anos de vida. Já havia se
acostumado ate, percebi pelo gingado da bengala de ferro tateando o escuro à
frente. Falou-me da vida, como estava a rotina e as novas tarefas que custavam
ser executadas.
“Entregue, seu baú já ta
encostando”. Ele me agradeceu, me abraçou e agradeceu novamente. Despedi-me
olhando um pouco para trás, ainda percebendo os agradecimentos perdidos em um
olhar de “tudo branco”.
No meu caminho de volta, não sabia
mais quem era o cego. Quem via um futuro branco pela frente. Quem à de se levar
culpa pelo roubo das cores que a luz nos entrega? Onde se deposita a certeza
que no fim vai ficar tudo bem? Em qual esquina os homens assumem sua taxa de arrogância?
Se um dia lhe faltar a sã consciência, o que será verdade?
Gostaria de falar sobre
Felicidade, dor, vida, vontade. Falar sobre como o mundo é injusto ou como não valorizamos
os dias que nos passa. Reclamar da falta de consideração pela natureza e todo o
presente que ela nos da. Reclamar do mesquinho ou do hipócrita, do rico e do
pobre. Do nobre ou do plebeu. Dizer um pouco sobre a falta de amor ou ate de
dinheiro. Sobre política e religião. Sobre as divergências de opiniões não respeitadas
ou sobre a fé cega em ideais. Gostaria de falar sobre o valor dos filhos e dos
pais, dos amigos e ate dos animais. Mas, Saramago estava certo. Estamos todos
cegos. Ou como Drummond já escreveu que cada um tem seu pedaço de verdade. Cada
um tem sua bengala da qual fica a tatear o escuro na certeza de que será avisado
por qualquer perigo futuro.
Mais de trinta anos de luz e tudo
se foi em apenas trezentos e sessenta e cinco dias.
No fim da minha caminhada, sobrou
apenas uma pergunta; Quando será minha vez?
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