-
“O amor não vale a pena, mas o que seriamos sem ele?.”
Me
selou e voltou o olhar ao palco admirando o espetáculo.
Aquela
era a terceira peça de Shakespeare do festival e os intervalos de cada uma
geravam discursões sem fim. Hamlet “minha favorita” dizia ela repetidas vezes
era a da vez.
-
As pessoas tem uma visão errada de romeu e julieta - disse ela quando saímos da última peça –
pensa comigo; todo esse romance durou cinco dias. Romeu tá triste por que acaba
de sofrer de amor e na sua solidão vê julieta e pronto, um novo amor traz
sentido novamente a romeu enquanto todo mundo fala que tá errado. Um amor pra
esquecer outro.
-
Não tinha pensado nisso.
- Ninguém pensa. Na verdade uma boa parte da
nossa noção de amor vem de coisas que a gente nem faz ideia. Romeu e Julieta
fala de muita coisa, mas amor com certeza não é uma das principais.
-
Mas não deixa de ser fofo.
-
Claro que não. O amor não vale a pena, mas o que seriamos sem ele?. Eu digo
isso mas sou uma incrédula apaixonada, tipo um ateu que agradece a deus por
cada vitória. Não acredito nesse amor de Romeu, eu to mais pro amor de Hamlet.
Inclusive você vai adorar, é a minha favorita.
“É
agora”, falou baixinho apertando minha mão como se eu não estivesse olhando. O
ator erguia um crânio em punho lentamente; “ser ou não ser? Eis a questão.” Eu podia
sentir ela balbuciando seu trecho favorito.
-
Hamlet era um estoico – falava sem parar na fila antes de entrarmos - Suas indagações
são sempre muito sensatas e toda a peça fala muito sobre a gente. Posso dizer
que é clássico, porque nunca para de dizer o que tem pra dizer. Algumas pessoas
questionam o amor dele por Ofélia, e é ai que eu digo que ta tudo errado. Amor
é continuidade, é racional porem intenso. Mas não confunda, ele via a vida como
uma “enorme prisão, cheia de
células, solitárias e masmorras” mas ainda sim que temia as “dores do
coração e das mil mazelas naturais a que a carne é sujeita”...
- Você decorou ou tá inventando?
- Te falei que é minha favorita. Você ta me
ouvindo? – me tapeou no ombro.
- Claro. Eu e o resto do teatro.
- Foda-se. Quer saber, nossa vida é uma grande tragédia.
E se eu pudesse escolher, seria como Ofélia. Adoraria ficar louca de amor por
um Príncipe apaixonado igual Hamlet. Os romeus que morram.
“Com o tom pálido e enfermo da melancolia -
continuava o ator deitado no chão a minha frente - E desde que nos prendam tais
cogitações, Empresas de alto escopo e que bem alto planam, Desviam-se
de rumo e cessam até mesmo
De se chamar ação.”.
- É isso – cochichou no meu ouvido – o amor tem que ter um ar de tragedia. A louça é sua hoje.
E me beijou a face.
“O que ela deve pensar sobre Lady MacBeth?”